domingo, 31 de agosto de 2008

Corsário

Bombaleia o corpo, como marujo que é, desembarcado em terra, corsário de tenra idade, percorre o seu território em busca de esconderijos para os seus tesouros como qualquer pirata que se preze. Não tem horários a cumprir, que o pirata capitão é quem dita as regras, as horas. Dorme quando lhe apetece, come quanto e quando quer. Caminha sem destino e porque a terra é firme e os obstáculos são muitos, tropeça aqui e ali, fosse em mar alto e haveriam de ver, o seu corpo gingão, perna arqueada está feito para os balanços da sua caravela, nela dorme embalado pelas ondas do mar. Aqui e ali berra as ordens para os seus tripulantes, outras vezes um sorriso escancarado, uma gargalhada do fundo do peito. Os seus olhos cor do mar de Inverno, verdes acinzentados, os fartos caracóis, as mãos enormes, assim é o nosso corsário.
Qualquer cama ou sofá é um túnel escavado onde os seus tesouros se vão amontoando, qualquer móvel um esconderijo escavado onde os seus braços curtos não chegam e ordena à marinhagem que recolha os seus tesouros, qualquer cesto de molas, o seu baú donde antes tirava as suas moedas de ouro e depois de contadas as deixava espalhadas pelo chão, agora vai pondo e tirando como que para lhe parecerem mais os seus dobrões de ouro. Outras vezes o nosso corsário mais parece virado para os coches e carroças de tanto gostar de rodas, fá-las girar como as rodas dum moinho de água, ou um de velas cheias pelo vento.
O nosso corsário desconhece as doenças do novo mundo e quando elas lhe aparecem, não há médico, não há ninguém que fale a sua língua e desata aos berros para que se lhe acalmem as dores, coitado do nosso corsário, afinal não há valentia, nem forças que lhe valham nesses momentos.
Mas esses são apenas pequenos obstáculos, o nosso filho vai crescendo a olhos vistos, um peso pesado de bebé, tão frágil, a esticar os braços para que lhe demos colinho…
Vamos educá-lo para que se faça um homem, e vamos gravando na nossa memória os momentos que são únicos para um dia o vermos fazer o mesmo que nós.

João Fernando
Algures sobre o Atlântico, 10 de Fevereiro de 2006

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